sexta-feira, 16 de abril de 2010

Bactéria vira esperança contra a dengue

Para vencer a epidemia da dengue (1) é preciso romper um ciclo. A doença se propaga com o mosquito Aedes aegypti e, para se reproduzir, a fêmea precisa de um alimento: o sangue humano. Se a pessoa estiver infectada, o mosquito recebe o vírus e passa adiante para outros e para a própria prole. Para os cientistas, a forma de eliminar o mal, que ameaça 2,5 bilhões de pessoas no mundo, é acabar com essa trajetória. Uma pesquisa da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, pode trazer uma solução para o problema. Em laboratório, eles conseguiram fazer um bactéria bloquear a duplicação do vírus nos insetos, mas a descoberta ainda está longe de ser posta em prática.

Cerca de 30% das espécies de mosquitos são hospedeiros da bactéria parasita Wolbachia, mas não o Aedes aegypti. Em laboratório, porém, os pesquisadores injetaram essa bactéria nos transmissores da doença, durante quase seis anos. “Verificamos que a Wolbachia é capaz de parar a duplicação do vírus da dengue no mosquito e, se não houver vírus nele, o mal não se espalhará para as pessoas. Ou seja, a transmissão da doença poderia ser bloqueada”, disse Zhiyong Xi, um dos autores do estudo em artigo publicado na edição de abril da revista PLoS Pathogens.

A Wolbachia vive apenas dentro das células de alguns invertebrados e pode causar infecções e modificações genéticas, principalmente nos mosquitos. “É uma bactéria transmitida de mãe para filhos, pois infecta as células germinativas. Diferentes linhagens de bactérias podem causar diferentes sintomas nos animais infectados. Pode não acontecer nada ou o resultado pode ser a diminuição do tempo de vida. Geralmente, acontece uma incompatibilidade citoplasmática, ou seja, machos infectados não geram filhos em fêmeas não infestadas e em fêmeas infectadas”, explica Paulo Eduardo Martins Ribolla pesquisador e professor do departamento de parasitologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Nos testes feitos pela equipe de Zhiyong, macho e fêmea foram infectados com a Wolbachia para comprometer uma população inteira de mosquitos, e assim evitar o vírus da dengue. Mas ainda falta testar a solução na prática. “Em achados como esse, feitos em laboratório, temos uma situação controlada. Às vezes, no campo, eles não têm muito sucesso. É um grande incentivo que, por enquanto, não tem a eficiência. Agora, os cientistas têm que partir para a fase seguinte, testar as condições de temperatura e ver como a bactéria se comporta na natureza”, comenta Rafael Freitas, epidemiologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Para o parasitologista da Unesp, será muito difícil colocar a pesquisa da Universidade de Michigan em prática. “Com relação à Wolbachia, acho que dificilmente será possível transmitir essa bactéria para populações selvagens de Aedes aegypti. Acho que, no curto espaço de tempo, a melhor maneira de combater a dengue é controlar o mosquito, que, por sinal, é cosmopolita, criado por nós mesmos”, analisa Ribolla.

Segundo o professor, outro grupo pesquisou a relação da Wolbachia e do Aedes. O mosquito infectado cruzava com uma fêmea não infectada, o que resultava em uma anormalidade reprodutiva que causava a morte precoce de embriões. “Além das infecções em insetos, existe um grupo grande de pesquisa sobre a infecção de Wolbachia no verme causador da cegueira dos rios (river blindeness). Parece que o tratamento dessas pessoas infectadas com antibióticos mata a Wolbachia e também o verme, curando as pessoas”, conta Ribolla.

Luta constante
Atualmente, não há muitas ferramentas disponíveis para combater a dengue. A prevenção continua a ser a melhor arma contra o vírus e a propagação do mosquito. “Para poder ser utilizada em campo, a melhor solução ainda é a redução dos criadouros do mosquitos. Ações como selar a caixa da água ou não deixar acumular água parada impedem o acesso da fêmea a esses pontos e ela não consegue colocar os ovos. Fazer isso pode diminuir fazer a população de mosquitos e atenuar a transmissão”, afirma Freitas.

O vírus circula quando o mosquito se alimenta de uma pessoas doente. Durante 10 dias, ele permanece no corpo do inseto, até atingir a glândula salivar, e cada nova picada pode espalhar a dengue. “Essa é a propagação mais comum. Mas também existe a forma vertical, na qual a fêmea adquire o vírus e passa para a prole, que já vai nascer infectada. Não sabemos ainda a que ponto ela é importante, mas acreditamos que esse processo é fundamental para a manutenção do vírus na natureza, porque conseguimos eliminar os mosquitos, mas não a doença”, comenta o pesquisador da Fiocruz.

No mundo todo — inclusive no Brasil —, pesquisadores trabalham para encontrar uma solução para terminar com a epidemia. A vacina, principalmente, ainda parece estar distante. Um dos problemas é que existem quatro sorotipos diferentes de vírus (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). O último ainda não chegou por aqui, mas já foi identificado na fronteira com a Venezuela e a Colômbia. “Precisamos de uma vacina polivalente, que possa imunizar as pessoas para qualquer vertente da doença. O grande desafio dos pesquisadores é como desenvolver isso. Dizer que em 10 anos vamos ter uma vacina é um chute no escuro. A única forma de eliminação é o fim dos depósitos e, para isso esse funcionar, é preciso que cada um faça sua parte, tendo senso de comunidade”, finaliza Freitas.

1 - Um longo problema
O mosquito da dengue foi identificado pela primeira vez em 1762. Os primeiros registros da doença no Brasil surgiram no fim do século 19, em Curitiba (PR), e no início do século 20, em Niterói (RJ). Em 1955, o Aedes aegypti chegou a ser considerado erradicado, depois de medidas impostas pelo governo para o controle da febre amarela. Mas, na década de 1960, o relaxamento das regras fez com que o mosquito reaparecesse em território nacional.

» Perguntas e respostas sobre a dengue

1) O que é dengue?
A dengue é uma doença febril aguda. A pessoa pode adoecer quando o vírus da dengue penetra no organismo, pela picada de um mosquito infectado, o Aedes aegypti.

2) Quanto tempo depois de ser picado aparece a doença?
Se o mosquito estiver infectado, o período de incubação varia de 3 a 15 dias, sendo em média de 5 a 6 dias.

3) Quais são os sintomas da dengue?
Os sintomas mais comuns são febre, dores no corpo, principalmente nas articulações, e dor de cabeça. Também podem aparecer manchas vermelhas pelo corpo e, em alguns casos, sangramento, mais comum nas gengivas.

4) O que devo fazer se aparecer alguns desses sintomas?
Buscar o serviço de saúde mais próximo.

5) Como é feito o tratamento da dengue?
Não há tratamento específico para o paciente com dengue clássico. O médico deve tratar os sintomas, como as dores de cabeça e no corpo, com analgésicos e antitérmicos (paracetamol e dipirona). Devem ser evitados os salicilatos, como o AAS e a Aspirina, já que seu uso pode favorecer o aparecimento de manifestações hemorrágicas. É importante também que o paciente fique em repouso e ingira bastante líquido.

Já os pacientes com Febre Hemorrágica do Dengue (FHD) devem ser observados cuidadosamente para identificação dos primeiros sinais de choque, como a queda de pressão. O período crítico ocorre durante a transição da fase febril para a sem febre, geralmente após o terceiro dia da doença. A pessoa deixa de ter febre e isso leva a uma falsa sensação de melhora, mas em seguida o quadro clínico do paciente piora. Em casos menos graves, quando os vômitos ameaçarem causar desidratação, a reidratação pode ser feita em nível ambulatorial. A SVS alerta que alguns dos sintomas da dengue só podem ser diagnosticados por um médico.

6) A pessoa que pegar dengue pode morrer?
A dengue, mesmo na forma clássica, é uma doença séria. Caso a pessoa seja portadora de alguma doença crônica, como problemas cardíacos, devem ser tomados cuidados especiais. No entanto, ela é mais grave quando se apresenta na forma hemorrágica. Nesse caso, quando tratada a tempo a pessoa não corre risco de morte.

7) Quais os cuidados para não se pegar dengue?
Como é praticamente impossível eliminar o mosquito, é preciso identificar objetos que possam se transformar em criadouros do Aedes. Por exemplo, uma bacia no pátio de uma casa é um risco, porque, com o acúmulo da água da chuva, a fêmea do mosquito poderá depositar os ovos neste local. Então, o único modo é limpar e retirar tudo que possa acumular água e oferecer risco. Em 90% dos casos, o foco do mosquito está nas residências.

8) O que devo fazer para evitar o mosquito da dengue?
Para evitar o mosquito da dengue é preciso eliminar os focos do Aedes. A SVS preparou uma lista das medidas que as pessoas podem adotar para evitar que o Aedes se reproduza em sua casa.

9) Depois de termos dengue, podemos pegar novamente?
Sim, podemos, mas nunca do mesmo tipo de vírus. Ou seja, a pessoa fica imune contra o tipo de vírus que provocou a doença, mas ela ainda poderá ser contaminada pelas outras três formas conhecidas do vírus da dengue.

10) Posso pegar dengue de uma pessoa doente?
Em hipótese alguma. Não há transmissão por contato direto de um doente ou de suas secreções com uma pessoa sadia, nem de fontes de água ou alimento.

11) Quantos tipos de vírus da dengue existem?
São conhecidos quatro sorotipos: 1, 2, 3 e 4, sendo que no Brasil não existe circulação do tipo 4.

12) Existe vacina contra a dengue?
Ainda não, mas a comunidade científica internacional e brasileira está trabalhando firme neste propósito. Estimativas indicam que deveremos ter um imunizante contra a dengue em cinco anos. A vacina contra a dengue é mais complexa que as demais. A dengue, com quatro vírus identificados até o momento, é um desafio para os pesquisadores. Será necessário fazer uma combinação de todos os vírus para que se obtenha um imunizante realmente eficaz contra a doença.

13) Por que essa doença ocorre no Brasil?
É um sério problema de saúde pública em todo o mundo, especialmente nos países tropicais como o nosso, onde as condições do meio ambiente, aliado a características urbanas, favorecem o desenvolvimento e a proliferação do mosquito transmissor, o Aedes aegypti. Mais de 100 países em todos os continentes, exceto a Europa, registram a presença do mosquito e casos da doença.

14) O inseticida aplicado para matar o mosquito de dengue funciona mesmo?
E a nebulização (fumacê)?Sim, os produtos funcionam. Tanto os larvicidas quanto os inseticidas distribuídos aos estados e municípios pela SVS têm eficácia comprovada, sendo preconizados por um grupo de especialistas da Organização Mundial da Saúde.

Os larvicidas servem para matar as larvas do Aedes. São aqueles produtos em pó, ou granulado, que o agente de combate a dengue coloca nos ralos, caixas d‘água, ou seja, naqueles lugares onde há água parada que não pode ser eliminada.

Já os inseticidas são líquidos espalhados pelas máquinas de nebulização, que matam os insetos adultos enquanto estão voando, pela manhã e à tarde, porque o Aedes tem hábitos diurnos. O fumacê não é aplicado indiscriminadamente, sendo utilizado somente quando existe a transmissão da doença em surtos ou epidemias. Desse modo, a nebulização pode ser considerada um recurso extremo, porque é utilizada num momento de alta transmissão, quando as ações preventivas de combate à dengue falharam ou não foram adotadas.

Algumas vezes, os mosquitos e larvas desenvolvem resistência aos produtos. Sempre que isso é detectado, o produto é imediatamente substituído por outro.

Fonte: Ministério da Saúde

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